sexta-feira, 28 de novembro de 2008

20 anos do SUS

O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde - CEBES - produziu um documento, aproveitando o aniversário de 20 anos da criação do Sistema Único de Saúde, apontando as insuficiências e debilidades do SUS ainda não corrigidas e superadas, e dando um pontapé inicial na necessária reflexão e mobilização pela garantia do pleno direito à saúde e à vida. Reproduzimos aqui o documento do CEBES.



20 ANOS DO SUS - CELEBRAR O CONQUISTADO. REPUDIAR O INACEITÁVEL.

Nos 20 anos da Constituição Brasileira e do Sistema Único de Saúde - SUS, o Cebes celebra a grande conquista da sociedade brasileira, que mudou a história da política social no país ao instituir a saúde como direito de todos os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza, e como dever do Estado.

Nessas duas décadas, profissionais, gestores, movimentos sociais, serviços e a população vêm travando uma dura batalha para fazer com que esse direito seja concreto, contínuo e seguro.

O SUS mudou de forma radical a configuração da atenção à saúde no Brasil. É, sem dúvida, uma das políticas sociais mais abrangentes e distributivas da história nacional, ao tornar o acesso universal e incluir milhões de brasileiros na condição de usuários de saúde.

Com o SUS criou-se um sistema nacional e único, abrangendo todas as áreas relativas ao cuidado em saúde. O SUS reordenou a prestação de serviços, criando uma complexa e ousada estrutura onde união, estados e municípios trabalham em conjunto. Criou e expandiu instâncias de pactuação e participação social inéditas na história do país.

O SUS aumentou a rede de serviços públicos; criou e implementou inúmeros programas de atenção e promoção avançados e abrangentes. A população conhece e usa o SUS todos os dias, seja direta ou indiretamente. Os números do SUS impressionam, demonstram a potência desse jovem sistema e confirmam a importância da instituição do direito à saúde na Constituição.

O SUS é mais que um sistema de saúde. Ele faz parte do pacto social presente na Constituição de 1988, que visa a construir uma sociedade democrática e solidária. Por isso foi inscrito na seguridade social; para, junto com assistência social e previdência, garantir proteção social em condições de igualdade a todos os cidadãos, através de políticas eqüitativas e sistemas universais, públicos e financiados por toda a sociedade.

Esses são preceitos que valorizam a vida, a dignidade e o direito ao futuro como bens inalienáveis de todos. Não há paz e desenvolvimento onde a vida é um valor menor, onde a saúde é considerada uma mercadoria, que mais terá quem mais puder pagar. Não há justiça social onde a atenção à saúde dependa da capacidade e do esforço individual de cada um. Não há futuro para uma sociedade sem bens coletivos sólidos e perenes.

Os governos têm continuamente adiado sua integral responsabilidade com a seguridade social e o SUS, restringindo financiamento, recursos humanos, permitindo a expansão do setor privado em áreas estritamente públicas e sendo permissivo com práticas clientelistas e patrimonialistas.

Em 20 anos de SUS, a saúde tem sido negligenciada em prol de uma de política econômica restritiva e de acordos políticos particularistas. Esse não é o projeto dos brasileiros. O projeto dos brasileiros é que se cumpra a Constituição. E aos governos cabe não somente ‘respeitá-la’; eles têm a obrigação de implementá-la.

E é exatamente o reconhecimento a todos os avanços do SUS que faz com que o Cebes, neste momento de justa celebração, venha registrar sua indignação com a permanência de um conjunto de problemas que atinge de forma cruel a população e ameaça os princípios conquistados.

Nossa indignação faz com que venhamos registrar o que consideramos inaceitável no SUS hoje.

Inaceitável porque ultrapassa os limites do respeito à dignidade humana. Inaceitável porque fere os direitos da cidadania e da democracia. Inaceitável porque corrompe os princípios do que é público, bem de todos, e não pode ser usado em favor de alguns. Inaceitável porque conhecemos as soluções e porque dominamos as condições necessárias para implementá-las.

A sociedade brasileira investiu trabalho e esperanças na construção de um SUS para todos. É inaceitável que governos e gestores, representantes do Estado responsáveis pelo SUS, deixem de cumprir suas diretrizes elementares. Não podemos mais esconder ou justificar as tragédias cotidianas que afligem a população e que podem ser resolvidas já.

O SUS é um projeto nacional, solidário, justo e, acima de tudo, possível.

Por isso consideramos INACEITÁVEL, passados 20 anos:

1 Que ainda não exista uma fonte estável para o financiamento do SUS.

2 Que o gasto público em saúde ainda seja de menos de 1 real por habitante/dia, muito aquém de países menos ricos na América Latina.

3 Que permaneçam as condições precárias de atendimento nos serviços do SUS. O SUS pode e deve prestar serviços dignos aos cidadãos. A população tem direito a saber em que condições será atendida, quanto tempo tardará o atendimento e como proceder em caso de expectativas não cumpridas.

4 Que serviços do SUS ainda não funcionem como uma rede integrada, com porta de entrada única, deixando ao usuário a responsabilidade de buscar por conta própria os serviços de que necessita.

5 Que ainda não tenham sido implementados, em todo o território nacional, mecanismos elementares de gestão de filas que eliminem o sofrimento diário dos usuários.

6 Que na reorganização da atenção seja dada prioridade às UPAs e AMAs, modelo ultrapassado e imediatista de instalação focada de unidades, e que a atenção básica não seja até hoje o eixo estruturante de todo o sistema.

7 Que ainda não tenha sido implantado o cartão SUS, com informações seguras sobre o histórico de cuidados dos usuários, fonte de planejamento, transparência e combate à corrupção.

8 Que a população não tenha ainda acesso seguro e regular aos medicamentos e exames vinculados ao ato terapêutico.

9 Que serviços do SUS ainda hoje não garantam às mulheres grávidas a referência segura de onde vão parir.

10 Que se mantenham discriminações de classe social, gênero, orientação sexual e raça em serviços do SUS.

11 Que serviços e profissionais de saúde continuem maltratando as mulheres que fazem aborto, com negligência no atendimento, ajuizamento moral, denúncias e outras formas de violação de direitos.

12 Que serviços desautorizados pela vigilância sanitária continuem funcionando.

13 Que hospitais lucrativos continuem sendo considerados como filantrópicos e recebendo subsídios públicos.

14 Que se mantenha a dupla porta de entrada nos hospitais públicos e contratados.

15 Que os profissionais de saúde sejam desvalorizados, tenham suas condições de trabalho e salariais aviltadas.

16 Que o SUS permaneça sem uma política nacional de formação e capacitação de recursos humanos.

17 Que, a título de redução do gasto público, se mantenha a farsa dos vínculos precários de trabalho, dependendo de convênios e contratos temporários.

18 Que profissionais usem a precariedade das condições de trabalho como justificativa para ausências e não cumprimento de horários.

19 Que o SUS continue sendo usado como moeda política. É preciso criminalizar o uso político de cargos de direção e dos setores de compras de hospitais do SUS, que estimulam a corrupção, drenam recursos e comprometem a qualidade dos serviços.

20 Que se mantenham transferências e subsídios do setor público para o setor privado de planos e seguros, através da compra de planos para funcionários públicos e da dedução do pagamento de planos no imposto de renda. É injusto que o conjunto da população financie o acesso diferenciado das camadas médias e a sobrevivência e crescimento do setor privado.

21 Que o SUS ainda não estabeleça metas e responsabilidades sanitárias claras a serem cumpridas pelos gestores e governos.

22 Que ainda não haja mecanismos legais de responsabilização de governos e gestores pelos serviços não cumpridos. Essa ausência estimula e encobre a alarmante corrupção no setor.

23 Que as transferências financeiras intergovernamentais ainda sejam feitas de forma verticalizada, em “caixinhas”, engessando o planejamento e a lógica sanitária.

24 Que as políticas sociais sejam ainda hoje, e cada vez mais, fragmentadas e setorializadas. É urgente o estabelecimento de políticas que integrem as distintas áreas sociais, para garantir os direitos instituídos no título VIII da Constituição.

25 Que o país ainda careça de uma política saudável para o meio ambiente, que afaste os riscos do cultivo de transgênicos, do abuso de agrotóxicos, da poluição dos mananciais, do desflorestamento, e também de uma política que assegure condições saudáveis de trabalho no campo e nas indústrias.

26 Que governo e sociedade se recusem a discutir o aborto que praticamos, o consumo de álcool que nos vitima, os acidentes de trabalho que nos aleijam.

27 Que se ignore a importância do complexo produtivo da saúde como forma de afirmação da soberania nacional, como combate á subordinação da produção industrial à lógica de preservação de patentes e domínios de conhecimento, como possibilidade de associar o desenvolvimento industrial à política de proteção social, gerando um exemplar modelo de desenvolvimento nacional.

28 Que não se efetive a concepção de Seguridade Social prevista na Constituição de 88, como condição imprescindível para a coesão social. Essa efetivação passa hoje pela convocação da Conferência Nacional de Seguridade Social.

Transformar o direito à saúde em direito em exercício é dever do Estado e não pode mais ser retardado, sob alegações de qualquer ordem.

Não existe valor superior à vida, muito menos aqueles propugnados pelos defensores de políticas voltadas para o pagamento de juros e produção de superávits fiscais que restringem o investimento social inadiável.

O Cebes conclama a todos a celebrar nossas conquistas, refletir sobre os impasses e desafios e não transigir com o que é inaceitável. Depois de 20 anos, já temos condições de exigir a sua superação imediata!

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mais um texto da Carta Maior

Mais uma importante reflexão do professor Emir Sader, agora sobre o PT. Boa leitura.

EMIR SADER

"PT envelheceu internamente e precisa se revigorar"

O impulso inicial que deu vida ao PT e desembocou no governo Lula, se esgotou. O dinamismo, a referência hoje está no governo e não no PT. Este precisa revigorar-se social e ideologicamente, para voltar a desempenhar um papel importante no campo político e ideológico do país, que tem na conjuntura já aberta da sucessão presidencial a maior das suas batalhas contemporâneas. A análise é de Emir Sader.

O PT foi a maior esperança da esquerda brasileira – e talvez mundial, em um momento de esgotamento da esquerda tradicional. Depois de mais de duas décadas de existência, desembocou no governo Lula que, medido pela imagem ideológica que o partido tinha na sua fundação ou que exibiu na sua primeira década de vida, seria irreconhecível.

Não se trata agora de fazer uma breve história do partido e saber onde aquele fio original foi cortado e outro perfil foi se desenhando. Certamente ele tem a ver com a projeção da imagem de Lula, por cima e, de certa forma, de maneira independente do partido. Trata-se agora de tentar entender a situação em que se encontra o partido – paradoxalmente com um perfil político extremamente baixo, quando Lula exibe níveis recordes de apoio, de 80%. Em suma, o sucesso do governo não é o sucesso do PT, que ainda não saiu das duas crises que o envolveram nos últimos anos.

O PT sofreu dois duros golpes desde a vitória de Lula, em 2002. O primeiro, o perfil assumido pelo governo, com Palocci funcionando quase como um primeiro-ministro e impondo uma hegemonia neoliberal e continuísta ao governo. Tal como havia se configurado na parte final e decisiva da campanha eleitoral, se constituiu em torno de Lula um núcleo dirigente do governo, que tinha em dois dos arquitetos da vitória – Palocci, com a Carta aos brasileiros, e Duda, com o “Lulinha, paz e amor” -, referências fundamentais.

Palocci dava a linha geral, manejava os recursos, impunha – até mesmo a Lula – o discurso geral do governo. O PT presenciou tudo isso, ferido pela crise de expulsão e posterior saída de outros de seus membros, impotente. Não conseguir defender a reforma da previdência, que atentava contra tudo o que havia defendido, nem as orientações econômicas do duo Palocci-Meirelles, se defendia das posições de ultra-esquerda, que prenunciavam um caminho de isolamento, sectarismo e derrota.

Pouco tempo depois, quando o governo ainda não decolava, veio a chamada “crise do mensalão”, em um momento em que o partido ainda não tinha se refeito da primeira crise. Foram os piores anos da história do PT – 2003-2005. A imagem do partido foi revertida de partido ético, da transparência, para partido vinculado a negociatas e à corrupção, uma reversão da qual não conseguiu e dificilmente conseguirá sair. Apesar das eleições internas, que recuperaram um pouco da auto-estima, sem forjar uma nova direção com capacidade de redefinir o papel do PT e suas relações com o governo.

Lula e o governo se safaram da crise a partir dos efeitos das políticas sociais que se fortaleceram com as mudanças dentro do governo – especialmente a queda de Palocci e o enfraquecimento das suas orientações dentro do governo – e com o papel dinâmico que Dilma Rouseff passou a imprimir nas ações governamentais.

Mas, de alguma maneira o governo se safou com a crise exportada para o PT. A imagem que ficou foi a de que “os petistas” haviam cometido graves erros, que quase comprometeram irremediavelmente o governo Lula. E as acusações sobre José Dirceu e sobre os principais dirigentes partidários confirmavam essa versão. E o baixo perfil das direções posteriores, tanto a que foi eleita no PEC, quanto posteriormente pelo Congresso, foram na mesma direção, pelo baixo perfil dessas direções, pela falta de capacidade de iniciativa política e de mobilização da própria militância do PT.

O Congresso, ao invés de um grande balanço do primeiro governo de esquerda, conquistado ao longo das lutas de toda a história do PT, acabou sendo mais um acerto de contas entre as tendências sobre a crise do partido. Criticas à política econômica reafirmaram certo grau de independência diante do governo, mas em geral a avaliação deste e, sobretudo, as propostas para o segundo governo, não foram o centro do Congresso, desperdiçado para recuperar a capacidade de ação do PT.

No entanto, os problemas vêm de mais atrás e são mais profundos. A via moderada escolhida pelo PT já se assentava numa perda do peso da militância jovem e da militância social, marcante já no Congresso de 2000, realizado em Pernambuco. O partido perdeu capacidade de empolgar e mobilizar os que lutam ou poderiam ser despertados para a luta por um outro país, por “um outro mundo possível”. Uma parte destes trabalham em torno do MST ou de outros movimentos sociais, outros permanecem no PT, mas sem ímpeto de ação. O envelhecimento interno do partido é óbvio, não apenas na idade dos seus membros, mas também na falta de idéias, de criatividade, de alegria, de encarar os novos desafios com um rico e pluralista debate interno.

É como se o PT estivesse ainda sofrendo os efeitos de uma quase morte da experiência de governo, tivesse se safado por pouco, mas tivesse exaurido suas energias na sobrevivência, não voltando a ganhar ímpeto, criatividade, iniciativa, capacidade de liderança e, principalmente, de mobilização de novas camadas.

A elaboração de uma plataforma pós-neoliberal e o apoio decidido à organização das bases sociais pobres que apóiam substancialmente ao governo Lula – se constituem nas duas maiores tarefas que o PT tem que enfrentar, para se renovar, se revigorar. Encarar frontalmente o tema da plataforma com que vai lutar para o governo posterior ao de Lula e recompor suas bases sociais de apoio, na direção das grande massas do nordeste e das periferias das grandes metrópoles – onde residem os imensos bolsões de pobreza beneficiados pelas políticas sociais do governo – para reconquistar energia, capacidade de luta, de mobilização.

Porque o impulso inicial, o que deu vida ao PT e desembocou no governo Lula, se esgotou. O dinamismo, a referência hoje está no governo e não no PT. Este precisa revigorar-se social e ideologicamente, para voltar a desempenhar um papel importante no campo político e ideológico do país, que tem na conjuntura já aberta da sucessão presidencial a maior das suas batalhas contemporâneas. É uma nova grande possibilidade para o PT, onde se disputa o futuro do Brasil na primeira metade do século – na consolidação, correção de rumos, aprofundamento das linhas progressistas do governo atual ou no catastrófico retorno do bloco de direita ao governo.

O papel do PT será essencial se assumir a luta pelo cumprimento desses dois objetivos essenciais: formulação da plataforma pós-neoliberal para a campanha de 2010 e trabalho duro na organização das grandes camadas pobres que dão sustentação ao governo Lula.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ainda sobre a tortura

Mais um artigo surrupiado da Agência Carta Maior. Continuaremos fazendo isso periodicamente, enquanto não resolvermos o problema da (precoce?) crise editorial de Geléia Geral (estamos trabalhando tanto que não sobra tempo de escrever nada aqui... até o escândalo do Carlos Eugênio Simon passou em branco... mas vamos deixar o roubo contra o Flamengo pra outra hora). Boa leitura.

DEBATE ABERTO

Em seu devido lugar

Para o jornalismo da revista Veja, aparentemente, 4000 assassinatos e milhares de sessões de tortura talvez justifiquem a punição de seus responsáveis, mas 400 mortes e poucas centenas de sessões de sadismo, não.

Marcelo da Silva Duarte

Ao menos duas falácias históricas e uma analogia bizarra falseiam a compreensão da idéia de revisão do princípio da Lei da Anistia apresentada por "Questão fora de lugar - A idéia de revisar o princípio da Lei da Anistia revela a falta de foco do ministro da Justiça", reportagem de Diogo Schelp para a revista Veja (12/11/2008).

"Quinze anos depois da instauração do regime militar no Brasil", afirma Schelp, "generais e opositores chegaram a um acordo que permitiria iniciar o processo de abertura política, sem maiores solavancos". Tal acordo "foi a Lei da Anistia, assinada em 1979". Para que tal entendimento fosse amplo, geral e irrestrito, continua Schelp, "e não parcial, como queria boa parte da caserna -, reuniram-se políticos, estudantes e trabalhadores naquele que foi o primeiro movimento coordenado da sociedade civil depois do golpe de 1964. Graças à anistia, conquista intensamente festejada por todos os democratas, puderam voltar ao país ou sair da clandestinidade José Serra, Fernando Gabeira, Leonel Brizola, José Dirceu e Franklin Martins, entre outros exilados ilustres e nem tanto".

Embora, de fato, o movimento pela anistia representasse o grosso das entidades envolvidas na luta pela cidadania, Schelp parece considerar uma questão menor o fato de que o projeto encaminhado pelos militares ao Congresso, em junho de 1979, atendia apenas parte do apelo das entidades abrigadas sob o Comitê Brasileiro pela Anistia, uma vez que desavergonhadamente (i) favorecia os militares, incluindo aqueles responsáveis pelas práticas de tortura, e (ii) de sua amplitude excluía os condenados por "terrorismo". Não foi, inclusive, sem muita mobilização popular no dia da votação da referida lei, em Brasília, que a anistia foi estendida aos civis. A aparente harmonia entre os interesses das partes em negociação sugerida pela reportagem, portanto, parece jamais ter existido, já que a vontade dos militares era anistiar unicamente os torturadores e manter em porões os torturados, considerados como "terroristas".

A pacificação interna da qual se ufana Schelp foi, na verdade, o melhor que poderia ser obtido pela sociedade diante das circunstâncias, a saber, diante de uma ditadura, por definição um regime totalitário onde não há espaço para negociação exatamente porque há imposição. Se Schelp não tem claro tal conceito é um problema dele, mas daí não se segue que a menos pior dentre determinadas alternativas faça justiça com a história.

Principalmente com a história de quem não esteve presente no ato de pacificação que a reportagem incensa. Entre os "generais e opositores" -"políticos, estudantes e trabalhadores" - que chegaram a um acordo não estavam os assassinados pela democrática ditadura de Schelp. Talvez eles também quisessem ser ouvidos a respeito de como se sentiram minutos antes de serem mortos, logo após algumas semanas de tortura. E embora essa também pareça uma questão menor aos olhos da reportagem, uma vez que mortos não falam, seria interessante saber se todos os assassinados e torturados pela ditadura militar brasileira concordariam que o princípio da Lei da Anistia é irrevisável em função de ter sido o fruto harmônico de uma democrática discussão.

O que Schelp parece ignorar é que aquilo que toma como princípio da Lei da Anistia, "a saber: o perdão a todos os cidadãos acusados de cometer crimes políticos", ou seja, sua amplitude, é uma falácia que - harmonicamente, ao menos em sua visão - subsume duas verdades históricas irreconciliáveis. Só faríamos justiça com nossa memória se exclusivamente fosse considerado crime político todo aquele ato praticado contra o aviltamento da democracia patrocinado pela caserna, e jamais aqueles praticados contra esse justo e legítimo direito de sublevação cidadã pelo Exército, o único criminoso durante a recente ditadura militar brasileira. O direito ao exercício da repressão oficial, obtido injusta e ilegitimamente pelos militares a partir do golpe antidemocrático de 1964, exercido a todo vapor contra um legítimo e justo direito à sublevação, portanto, jamais poderia ser considerado crime político ou conexo a crime político, uma vez que praticado ao arrrepio da ordem democrática vilipendiada pelos próprios militares.

"Quando um povo é obrigado a obedecer e o faz - disse Jean Jacques Rousseau em seu “Do Contrato Social” - age acertadamente; assim que pode sacudir esse jugo e o faz, age melhor ainda, porque, recuperando a liberdade pelo mesmo direito por que lha arrebataram, ou tem ele o direito de retomâ-la ou não o tinham de subtraí-la".

Em seu socorro, Schelp parece avalizar tese recentemente abraçada por Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual "embora tortura e terrorismo sejam imprescritíveis, nada impede que tais práticas sejam anistiadas", que de modo logicamente estabanado distribui um mesmo sentido de imprescritibilidade entre fatos históricos contrários do ponto de vista contextual. Não contava, porém, com um tiro no pé: se da imprescritibilidade dos crimes de tortura e terrorismo não se segue que não sejam anistiáveis, então da amplitude principiológica da Lei da Anistia não se segue sua irrevisibilidade. Nada impede, por conseguinte, que o princípio da Lei da Anistia seja revisado, embora amplo, geral e irrestrito.

Schelp também sofisma ao afirmar que "os terroristas de esquerda que mataram, roubaram, seqüestraram e mutilaram (...) lutavam pela implantação de uma ditadura comunista". Donde, por conseguinte, a legitimidade da repressão oficial e a impossibilidade de inocentá-los sem, simultaneamente, inocentar seus torturadores. Entretanto, do fato da uma das estratégias da resistência armada ter priorizado o foco revolucionário não se segue que toda resistência lutava pela implementação do embrião comunista. A tortura contra a resistência, porém, longe de qualquer sofisticação lógico-semântica, de sua parte correu ampla, geral e irrestrita.

Todavia, se ele também acredita que as reformas de base propostas pelo governo João Goulart culminariam com a implantação de um regime totalitário comunista no Brasil e que Leonel Brizola recebeu dinheiro de Cuba para financiar a luta armada contra a ditadura, então sim, a resistência cidadã lutava pela implementação de uma ditadura comunista. Porém, se Schelp não aprendeu história em colégios militares, então ao menos deveria saber que a resistência cidadã não lutava pela implementação de uma ditadura, mas sim pela democracia e pela liberdade exatamente contra uma ditadura.

Graças a essa luta é que hoje Schelp pode dar sua opinião sobre sua própria história e a falta de foco do ministro da Justiça, porém sem correr o risco de ser torturado por isso.

Schelp finaliza afirmando que "Argentina e Chile optaram por revogar suas leis de anistia e deram andamento à punição de alguns dos responsáveis pelos crimes de suas ditaduras", mas ressalva que o acerto de contas de argentinos e chilenos com seus torturadores e assassinos se trata de "situações distintas da do Brasil, onde a magnitude da repressão foi bastante inferior".

Ou seja, o direito de punir responsáveis por crimes cometidos por ditaduras parece ser diretamente proporcional à magnitude da repressão que os autorizou a torturar e assassinar seus semelhantes. Quanto maior a repressão, maior o direito de puni-los; porém, se a repressão não foi assim tão ampla, então esse direito parece sequer fazer sentido. Ora, isso parece implicar, na escala moral de Schelp, que punir tanto a morte quanto a tortura é eticamente irrelevante todas as vezes que a magnitude de uma repressão for inferior a um determinado padrão opressor. Resta sabermos, porém, quem o estabelece e de que forma funciona. Para o jornalismo da revista Veja, aparentemente, 4000 assassinatos e milhares de sessões de tortura talvez justifiquem a punição de seus responsáveis, mas 400 mortes e poucas centenas de sessões de sadismo, não.

Foco parece não faltar ao repórter da Veja. Mas Diogo Schelp, infelizmente, é um homem sem memória.

* Mestrando em filosofia. Mantém o blog www.laviejabruja.blogspot.com

sábado, 22 de novembro de 2008

Mais uma do Emir

Surrupiei mais um texto do Blog do Emir Sader. Compartilho com vocês aqui no nosso espaço coletivo.

21/11/2008

A crise da extrema esquerda

Os resultados das eleições municipais vieram corroborar o que o cenário político nacional já permitia ver: o esgotamento do impulso da extrema esquerda, que tinha sido relançada no começo do governo Lula. A votação em torno de 1% de dois dos seus três parlamentares, candidatos a prefeito em São Paulo e no Rio de Janeiro, com votações significativamente menores do que as que tiveram como candidatos a deputados, sem falar na diferença colossal em relação à candidata à presidência, apenas dois anos antes – são a expressão eleitoral, quantitativa, que se estendeu por praticamente todo o país, do esgotamento prematuro de um projeto que se iniciou com uma lógica clara, mas esbarrou cedo em limitações que o levam a um beco difícil, se não houver mudança de rota.

A Carta aos Brasileiros, anunciando que o novo governo não iria romper nenhum compromisso – nesse caso, com o capital financeiro, para bloquear o ataque especulativo, medido pelo “risco Lula” -, a nomeação de Meirelles para o Banco Central e a reforma da previdência como primeira do governo – desenharam o quadro de decepção com o governo Lula, que levaria à saída do PT de setores de esquerda. A orientação assumida pelo governo inicialmente, em que a presença hegemônica de Palocci fazia primar os elementos de continuidade com o governo FHC sobre os de mudança – estes recluídos basicamente na política externa diferenciada e em setores localizados – e a reiteração de um governo estritamente neoliberal davam uma imagem de um governo que era considerado pelos que abandonavam o PT, como irreversivelmente perdido para a esquerda.

O dilema para a esquerda era seguir a luta por um governo anti-neoliberal dentro do PT e do governo ou sair para reagrupar forças e projetar a formação de uma nova agrupação. Naquele momento se cogitou a constituição de um núcleo socialista, dos que permaneciam e dos que saíam do PT, para discutir amplamente os rumos a tomar. Não apenas cabia uma força à esquerda do PT, como se poderia prever que ela seria engrossada por setores amplos, caso a orientação inicial do governo se mantivesse.

Dois fatores vieram a alterar esse quadro. O primeiro, a precipitação na fundação de um novo partido – o Psol -, com o primeiro grupo que saiu do PT – em particular a tendência morenista – passando a controlar as estruturas da nova agremiação. Isto não apenas estreitou organizativamente o novo partido, como o levou a posições de ultra-esquerda, responsáveis pelo seu isolamento e sectarização. A candidatura presidencial nas eleições de 2006 agregou um outro elemento ao sectarismo, que já levaria a uma posição de eqüidistância em relação ao governo Lula. O raciocínio predominante foi o de que o governo era o melhor administrador do neoliberalismo, porque além de mantê-lo e consolidá-lo, o fazia dividindo e confundindo a esquerda, neutralizando a amplos setores do movimento de massas. Portanto deveria ser derrotado e destruído, para que uma verdadeira esquerda pudesse surgir. O governo Lula e o PT passaram a ser os inimigos fundamentais da nova agrupação.

Esse elemento favoreceu a aliança – já desenhada no Parlamento, mas consolidada na campanha eleitoral – com a direita – tanto com o bloco tucano-pefelista, como com a mídia oligárquica -, na oposição ao governo e à reeleição de Lula. A projeção midiática benevolente da imagem da candidata do Psol lhe permitia ter mais votos do que os do seu partido, mas comprometia a imagem do partido com uma campanha despolitizada e oportunista, em que a caracterização do governo Lula não se diferenciava daquela feita na campanha do “mensalão”. Como se poderia esperar, apesar de algumas resistências, a posição no segundo turno foi a do voto nulo, isto é, daria igual para o novo partido a vitória do neoliberal duro e puro Alckmin ou de Lula. (Se tornava linha nacional oficial o que já se havia dado nas primeiras eleições em que o Psol participou, as municipais, em que, por exemplo, em Porto Alegre, diante de Raul Pont e Fogaça, no segundo turno, se afirmou que se tratava da nova direita contra a velha direita e se decidiu pelo voto nulo.)

Uma combinação entre sectarismo e oportunismo foi responsável pelo comprometimento da orientação política do novo partido, que o levou a perder a possibilidade de formação de um partido à esquerda do PT, que se aliasse a este nos pontos comuns e lutasse contra nos temas de divergência. O sectarismo levou a que sindicatos saíssem da CUT, sem conseguir se agrupar com outros, enfraquecendo a esquerda da CUT e se dispersando no isolamento. Levou a que os parlamentares do Psol votassem contra o governo em tudo – até mesmo na CPMF – e não apoiassem as políticas corretas do governo – como a política internacional, entre outras. Esta se dá porque o governo brasileiro tem estreita política de alianças com as principais lideranças de esquerda no continente – como as de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia -, que apóiam o governo Lula, o que desloca completamente posições de ultra-esquerda – que se reproduzem de forma similar a dessa corrente no Brasil nesses países -, deixando de atuar numa dimensão fundamental para a esquerda – a integração continental.

Por outro, o governo Lula passou a outra etapa, com a saída de vários de seus ministros, principalmente Palocci, conseguindo retomar um ciclo expansivo da economia e desenvolvendo efetivas políticas de distribuição de renda, ao mesmo tempo que recolocava o tema do desenvolvimento como central – deslocando o da estabilidade, central para o governo FHC -, avançando na recomposição do aparelho do Estado, melhorando substancialmente o nível do emprego formal, diminuindo o desemprego, entre outros aspetos.

A caracterização do governo Lula como expressão consolidada do neoliberalismo, um governo cada vez mais afundado no neoliberalismo – reedição de FHC, de Menem, de Carlos Andrés Perez, de Fujimori, de Sanchez de Losada – se chocava com a realidade.

Economistas da extrema esquerda continuaram brigando com a realidade, anunciando catástrofes iminentes, capitulações de toda ordem, tentando resgatar sua equivocada previsão sobre os destinos irreversíveis do governo, tentando reduzir o governo Lula a uma simples continuação do governo FHC, reduzindo as políticas sociais a “assistencialismo”, mas foram sistematicamente desmentidos pela realidade, que levou ao isolamento total dos que pregam essas posições desencontradas com a realidade.

O isolamento dessas posições se refletiu no resultado eleitoral, em que todas as correntes de ultra-esquerda ficaram relegadas à intranscendência política, revelando como estão afastadas da realidade, do sentimento geral do povo, dos problemas que enfrenta o Brasil e a América Latina. As políticas sociais respondem em grande parte pelos 80% de apoio do governo,rejeitado por apenas 8%. Para a direita basta a afirmação do “asisistencialismo” do governo e da desqualificação do povo, que se deixaria corromper por “alguns centavos”, mas a esquerda não pode comprá-la, por reacionária e discriminatória contra os pobres.

Confirmação desse isolamento e de perda de sensibilidade e contato com a realidade é que não se vê nenhum tipo de balanço autocrítico, sequer constatação de derrota da parte da extrema esquerda. Se afirma que se fizeram boas campanhas, não importando os resultados, como se se tratassem de pastores religiosos que pregam no deserto, com a consciência de que representam uma palavra divina, que ainda não foi compreendida pelo povo. (Marx dizia que a pequena burguesia sofre derrotas acachapantes, mas não se autocrítica, não coloca em questão sua orientação, acredita apenas que o povo ainda não está maduro para sua posições, definidas essencialmente como corretas, porque corresponderiam a textos sagrados da teoria.)

Não fazer um balanço das derrotas, não se dar conta do isolamento em que se encontram, da aliança tácita com a direita e das transformações do governo Lula – junto com as da própria realidade econômica e social do país –, da constatação do caráter contraditório do governo Lula, que não deveria ser se inimigo fundamental revelariam a perda de sensibilidade política, o que poderia significar um caminho sem volta para a extrema esquerda. Seria uma pena, porque a esquerda brasileira precisa de uma força mais radical, que se alie ao PT nas coincidências e lute nas divergências, compondo um quadro mais amplo e representativo, combinando aliança a autonomia, que faria bem à esquerda e ao Brasil.

Postado por Emir Sader às 05:25

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Câmara aprova cota de 50% para alunos do ensino público nas universidades federais

A Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira (20), projeto que reserva metade das vagas em universidades públicas federais para alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas.
Parte destas vagas terá de ser preenchida por estudantes negros e indígenas, de acordo com o percentual desses grupos na população do Estado em que está a instituição de ensino. Para tanto, serão considerados os dados do último Censo do IBGE.
Um acordo entre os parlamentares também incluiu um critério social no sistema de cotas. Assim, 25% das vagas reservadas serão destinadas para aqueles que, além de terem estudado em escolas públicas, sejam de famílias com renda de até um salário mínimo e meio por pessoa (cerca de R$ 620).
Para entrar em vigor, a lei, que também garante cotas para os cursos técnicos profissionalizantes de nível técnico, ainda precisa de aprovação do Senado.
Vitória do governo
A lei contempla proposta do governo federal que, na Comissão de Educação da Câmara, a partir de substutivo apresentado pelo deputado Carlos Abicalil (PT-MT), teve incorporada outros projetos de teor similar já em tramitação na Casa.
Segundo o texto, as universidades têm quatro anos para se adaptar ao sistema de cotas, que também pode ser aplicado pelas instituições privadas de ensino. O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), acredita que o projeto será capaz de melhorar as condições de acesso dos mais pobres às universidades públicas e eliminar diferenciações raciais.
“O projeto revoluciona o acesso ao ensino público superior no país. A Câmara hoje marca uma mudança na historia do acesso ao ensino publico superior”.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

banho quente



Vc sabe quando a água do chuveiro está quente? Não? então esse produto foi feito pra vc. 
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Não sei se é tão útil assim, mas q é legal é...

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terça-feira, 18 de novembro de 2008

Tomara que essa moda não pegue...

A cena ridícula aconteceu no último domingo, no jogo entre Catania e Torino, válido pela 12ª rodada do campeonato italiano. Durante uma cobrança de falta, três jogadores do Catania se adiantaram e arriaram as calças para o goleiro do Torino. O pior é que deu certo, e na cobrança o meia Mascari marcou o gol da vitoria por 3x2. Definitivamente, nós esperamos que isso não vire moda por aqui...


domingo, 16 de novembro de 2008

Emir Sader esculhamba mídia brasileira

Eu achei esse texto no blog do Emir fantástico. É de uma ironia mordaz. Dividimos aqui esta pérola com nossos 5 leitores.

Notícias que a mídia deve à verdade

Se a mídia fosse pagar suas dívidas com a verdade, teria que dar notícias como as seguintes, entre tantas outras. Mandem as de vocês.

FSP (Força Serra Presidente): TAM ASSASSINOU 140 PESSOAS EM CONGONHAS

Corrigimos assim comentário publicado na primeira página do jornal, em que se dizia que “O governo Lula assassinou 140 pessoas em Congonhas”, porque o relatório oficial e final sobre o acidente aponta os erros da companhia como os responsáveis pelo acidente.

Clóvis Rossi e Eliane Catanhede: Os colunistas renunciaram a seus postos de trabalho, sem indenização, confessando que as penas tucanas tinham nublado sua visão, impedindo-lhes de ver como o mundo mudou, como passaram a representar as elites dos jardins de São Paulo, considerando que eram as fronteiras do Brasil. Vão se dedicar a outras atividades, que não prejudiquem o interesse do país.

Otávio Frias Filho: “Renuncio ao cargo que herdei do meu pai, pela única razão de ser filho dele e herdeiro da empresa da família, vou mandar embora todos os amigos que coloquei na redação e convocar eleição entre os outros para eleger algum jornalista de carreira e mérito próprio, para tentar recuperar o prestígio – tão decaído – do jornal, que já teve o Claudio Abramo e que agora está cheio de Fernandinhos, que elogiam minhas camisas.”

O GLOBO: HERDEIROS DE ROBERTO MARINHO DECIDEM HOJE SE VENDEM OS JORNAIS, A TELEVISÃO OU AS RADIOS

Reconhecendo que a concentração de propriedade cruzada é um fator de imensa monopolização e atenta contra a liberdade e a diversidade de expressão, a família Marinho decide acatar o que até as leis dos EUA definem: a proibição de propriedade por um mesmo grupo de mídias televisivas, escritas e radiais no mesmo estado.

Miriam Leitão: “ACREDITEI NO MERCADO E ELE ME TRAIU”

“Confesso que me equivoquei profundamente – por razões que vem ao caso, mas prefiro omitir - em todas as análises ao longo de todos os anos, que acreditei em Pedro Malan, em FHC, em Alan Greenspan, no FMI, nos bancos e instituições financeiras internacionais, no Consenso de Washington, faço autocrítica, renuncio a meus vários empregos na imprensa e prometo estudar economia, história, sociologia, política, antropologia, ética, antes de retomar qualquer emprego público. Doarei parte de meu vasto pecúlio acumulado na mídia e nas conferências feitas para empresários, para um fundo sindical para defesa do nível de emprego. E prometo ler o Zé Simão todos os dias, me chamando de Miriam Porcão, porque eu mereço.”

TV GLOBO PEDE DESCULPAS ÀS VÍTIMAS DO ACIDENTE AÉREO DA GOL NA AMAZÔNIA E CONFESSA QUE ESCONDEU A NOTÍCIA PARA PODER DAR MAIOR DESTAQUE À UMA DENUNCIA CONTRA A CANDIDATURA DE LULA, COM O INTUITO ELEITORAL DE LEVAR SEU CANDIDATO PREFERIDO, ALCKMIN, AO SEGUNDO TURNO.

O ESTADÃO CONFESSA: TENTAMOS, AO LONGO DE TODA SUA EXISTÊNCIA, FAZER PREDOMINAR OS INTERESSES DE SÃO PAULO SOBRE OS DO RESTO DO BRASIL – QUE SEMPRE CONSIDERAMOS “RESTO” – COERENTES COM O MOVIMENTO SEPARATISTA DE 1932. APOIAMOS O GOLPE MILITAR, COMO TODOS OS OUTROS JORNAIS, PUBLICAMOS AS VERSÕES MENTIROSAS DA DITADURA SOBRE AS CONDIÇÕES DA MORTE DOS OPOSITORES, SEMPRE ESTIVEMOS COM A DIREITA. DESCULPEM.

Dora Kramer: “O povo tem razão: FHC foi o pior presidente que o Brasil já teve. Eu me deixei iludir por razões que prefiro não expressar aqui.”

VEJA: DESCULPAS AOS LEITORES, AO PT E AO POVO CUBANO, POR NOSSA CAPA ENGANOSA DE QUE A CAMPANHA DO LULA TERIA SIDO FINANCIADA COM DINHEIRO CUBANO. COMO RECOMPENSA, VAMOS FAZER MATÉRIA DE CAPA SOBRE A SAUDE PÚBLICA CUBANA.


Postado por Emir Sader às 10:34

Gilson Caroni batendo no Gilmar Mendes

Gilmar Mendes, quem são os terroristas?

Artigo publicado originariamente na Carta Maior

Ao afirmar que “terrorismo também é crime imprescritível”, em alusão aos que participaram da luta armada contra o regime de 64, o ministro demonstrou que segue a semântica da ditadura militar. Um olhar menos indulgente sobre a ditadura lhe permitiria ver um regime que tinha como metodologia o terrorismo de Estado.

Gilson Caroni Filho

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, tem se notabilizado por um sentimento de urgência no que julga ser seu principal papel como magistrado: dar sustentação jurídica às teses da oposição parlamentar e seu braço midiático no combate ao governo Lula. Mas o faz de forma tão atabalhoada que constrange até mesmo os “bons companheiros”.
Mendes tem sido alvo de crítica até de contumazes articulistas da grande imprensa, uma vez que o primarismo de suas manifestações desnuda, e expõe ao ridículo, uma estratégia traçada para se manter ativa até 2010. Não foi por outro motivo que o jornalista Elio Gaspari, conhecido pelo antipetismo raivoso, escreveu em sua coluna, na Folha de São Paulo, do último domingo:
“O ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, precisa decidir qual é seu lugar no estádio. Ele pode ficar na tribuna de honra, de toga, lendo votos capazes de servir de lição. Pode também vestir as camisas dos times de sua preferência, indo disputar a bola no gramado. Não pode fazer as duas coisas”.
O alerta de Gaspari se respalda na experiência de quem conhece o jogo e tem noção mais acurada do "timing" exigido. Sabe que um juiz que emite prejulgamentos sobre processo em que terá que se manifestar oficialmente se expõe à perda de legitimidade. A judicialização da política guarda similitudes profundas com o noticiário editorializado. E a afinidade de dois campos distintos, quando se torna muito evidente, produz estragos consideráveis para os objetivos das forças conservadoras.
Ao afirmar que “terrorismo também é crime imprescritível”, em alusão aos que participaram da luta armada contra o regime de 64, o ministro demonstrou que segue a semântica da ditadura militar que recomendou aos jornais da grande imprensa a classificação de “terroristas” a todas as ações armadas praticadas por guerrilheiros. Em questão, além da isenção do presidente do Supremo, está seu embasamento conceitual sobre terrorismo.
Diante da confusão, é preciso discutir o que se entende como terror. Afinal, a resistência armada contra a opressão é admitida até pela Carta de Direitos Humanos da ONU. Qual a diferença disso em relação a atos terroristas tal como são definidos pelo direito internacional?
Como indagou o jornalista Cid Benjamim, em artigo publicado em 2001, no Jornal do Brasil, ”teria sido Marighella um terrorista, tal como os autores dos atentados nos Estados Unidos? Teria sido Lamarca um terrorista? E os sandinistas, que derrubaram a ditadura de Somoza? Estadistas hoje respeitados, que lideraram revoluções armadas – como Fidel Castro, por exemplo – foram também terroristas? E os combatentes da Resistência Francesa, também eram eles terroristas?”
Seria interessante o presidente da mais alta corte do país ser apresentado aos protocolos das convenções de Genebra, onde não se confunde terrorismo com direito à resistência, pois neste "não se verifica a intenção de intimidação da sociedade, mesmo porque o que se pretende com o exercício de tal prerrogativa é exatamente o maior apoio possível da maioria da sociedade em favor da causa patrocinada”.
Um olhar menos indulgente sobre a ditadura de 1964 lhe permitiria ver um regime que tinha como metodologia o terrorismo de Estado. Altos comandantes militares fortaleciam e protegiam da vista da opinião pública e da precária justiça existente - com represálias e censuras - os centros de torturas e seus protagonistas mais conhecidos, como o falecido delegado Sérgio Fleury.
Com o governo Médici, o aparato repressivo chegou ao auge com a criação da Operação Bandeirantes. Ler sobre o caso Parasar, capitaneado pelo brigadeiro João Paulo Burnier, para que o serviço de salvamento da FAB entrasse na repressão política, matando ou jogando no alto-mar os corpos dos opositores políticos, talvez servisse como bom exercício de reflexão para Gilmar Mendes. Quem sabe contextualizando a tortura, o ministro não se dê conta de que anistiar quem a praticou seja defender o real terrorismo? É isso que a sociedade espera do judiciário brasileiro? Que se torne uma instituição típica de países conhecidos pela violação de direitos humanos?
Talvez seja o caso de recomendar ao ministro a leitura de “Eros e Civilização”. Nele, Herbert Marcuse afirma categoricamente:
“Esquecer é também perdoar o que não seria perdoado se a justiça e a liberdade prevalecessem. Esse perdão reproduz as condições que reproduzem injustiça e escravidão: esquecer o sofrimento passado é perdoar as forças que o causaram - sem derrotar essas forças”.
É disso que se trata. Ou acertamos nossas contas com o passado - e desse acerto reunimos condições para avançar - ou ficamos refém de um simulacro de democracia.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro.

sábado, 15 de novembro de 2008

Geléia Geral de luto


Morreu na última quarta-feira o lendário baterista Mitch Mitchell, que formou junto com o baixista Noel Redding e o guitarrista Jimi Hendrix a genial The Jimi Hendrix Experience. Juntos, eles gravaram os álbuns "Are You Experienced?" (um dos maiores discos da história do Rock n'Roll), "Axis: Bold as Love" e "Eletric Ladyland".

Considerado um dos mais brilhantes bateristas do rock (na minha modesta opinião, Mitchell - junto com Keith Moon do The Who e Ginger Baker do Cream - ajudou a reinventar o instrumento), o inglês de Ealing marcou época no power trio que formou com Hendrix e Redding (ambos já falecidos), mas tocou também com Eric Clapton, Muddy Watters, Jeff Beck, John Lennon e Jack Bruce, entre outros. Seu corpo foi encontrado em um quarto de hotel em Portland, onde o músico havia se apresentado na sexta-feira anterior.

Geléia Geral está de luto com a morte deste grande ícone do rock. Deixamos aqui a nossa sincera homenagem. Se os nossos amigos cristãos estiverem certos e realmente existir algo além de vermes, bactérias e fungos após a morte, o reencontro dos três gigantes do The Jimi Hendrix Experience deve ter sido imperdível pra Deus e o Diabo.

Lego gigante aparece em praia britânica...

Essa notícia eu "surrupiei" do Aldeia Gaulesa, blog do meu amigo Erick da Silva, grande companheiro do PT desde os tempos de movimento estudantil.

Um boneco de Lego gigante apareceu misteriosamente na praia britânica de Brighton, nesta quinta-feira (3), causando espanto à população local. O brinquedo de plástico, que mede cerca de 1,8 metro, é amarelo, tem calça vermelha e blusa verde. “É muito estranho, só deus sabe como ele veio parar aqui. Alguns dizem que veio da Holanda, pois ele tem palavras escritas em holandês. Deve ter caído de um barco”, disse Gerry Turner, 34, que mora em Brighton.



Segundo a publicação “Daily Mail”, um porta-voz da cidade afirmou que a prefeitura não faz idéia da origem do Lego e que não se opõe em manter o boneco no mesmo lugar. “Será interessante ver quanto tempo ele fica lá. Vamos ficar de olho”, disse.

Essa não é a primeira vez que um boneco gigante desse tipo aparece na praia. O modelo encontrado em Zandvoort (Holanda) no ano passado tinha 2,5 metros. Na ocasião, também não souberam explicar de onde surgiu o brinquedo.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Rovai fala sobre a tortura

Retirei essa abaixo do Blog do Rovai, dando sequência ao debate que iniciamos neste blog.

Torturador tem que ser julgado em praça pública
(12/11/2008 23:23)

Faz tempo que estou pra escrever algo sobre essa história de se a anistia vale ou não para torturadores. Acho que isso acontece porque inconscientemente tento escapar de temas onde apresento minhas vísceras aos leitores.

Agora, que há duas posições importantes com as quais concordo e que trazem, a meu ver, algo novo para o debate pelos segmentos que representam, toco no assunto:

"Torturador tem que ser punido. Tortura não é crime político, é um crime abominável, que tem que se julgado e punido. Para isso não há perdão, não tem desculpa. Torturou, tem que pagar". A afirmação foi feita pelo jornalista e escritor, pai do governador do Rio de Janeiro e um dos fundadores do jornal O Pasquim, Sergio Cabral.

Espero que o filho dê uma declaração tão forte quanto a do pai e tente demover seu correligionário Nélson Jobim da posição estúpida em que se encontra.

Afora isso, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC colocou na rede uma nota de apoio ao ministro Vannuchi, solicitando a responsabilização de torturadores

“Como Vannuchi, os Metalúrgicos do ABC entendem que tortura é crime de lesa-humanidade, imprescritível e não pode ser objeto da Lei de Anistia. A legislação não pode ser mal interpretada e usada em benefício de torturadores, muito menos deve impedir o debate público para escancarar nomes e números dessa macabra passagem da história brasileira, justamente para que nunca mais se repita.”

(...)

Como categoria que também entrou para a história do País por enfrentar as perseguições e cassações impostas pelo regime militar, o Sindicato entende a indignação e apóia a ação do ministro Vannuchi contra o parecer emitido pela Advocacia-Geral da União (AGU), que considera perdoados, pela Lei da Anistia (6.683), os crimes de tortura cometidos na ditadura. O parecer da AGU integra o processo que responsabiliza os militares reformados Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi, e Audir Santos Maciel por morte, tortura e desaparecimento de 64 pessoas durante a ditadura militar.

(...)

Estima-se que pelo menos 20 mil pessoas foram torturadas e centenas foram mortas ou estão desaparecidas, em ações que contrariam a Declaração Universal dos Direitos Humanos por atentarem cotra a vida e a liberdade.

O Sindicato dos Metalúrgicos entende que tortura é crime de lesa-humanidade, imprescritível e não pode ser objeto da Lei de Anistia. A legislação não pode ser mal interpretada e usada em benefício de torturadores, muito menos deve impedir o debate público para escancarar nomes e números dessa macabra passagem da história brasileira, justamente para que nunca mais se repita.”

É hora de intensificar a pressão. Torturador tem que ser julgado em praça pública. E condenado, se culpado, com todos os requintes legais respeitados. Mas precisa servir de exemplo. Sabem por quê? Porque enquanto esses Ustras da vida continuarem desfilando por aí e sendo defendidos com o nosso dindim, as torturas continuarão sendo praticadas em delegacias e prisões.

A questão é: a tortura ainda é praticada, também porque nunca foi punida.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Resolução da Executiva Nacional da CUT sobre a crise financeira internacional

Circ. EE 05015087635/08/SG/CUT
São Paulo, 07 de novembro de 2008.

Às
Estaduais da CUT, Estrutura Vertical e Entidades Filiadas.

Assunto: Resolução da Executiva Nacional da CUT sobre a crise financeira internacional.


"Os/as trabalhadores/as não pagarão pela crise"

"A solução para a crise é a geração de emprego e renda"





Reunida nos dias 5 e 6 de novembro de 2008, em São Paulo, a Direção Executiva Nacional da CUT debateu as causas, conseqüências, perspectivas e ações diante da crise financeira que assola atualmente a economia internacional.

A CUT possui uma concepção de desenvolvimento na qual o Estado tem um papel central na organização da economia e na construção de políticas de distribuição de renda e valorização do trabalho. Consideramos imprescindível a alteração da política econômica (em especial as políticas monetária e fiscal), uma reforma tributária socialmente justa e mecanismos de democratização do orçamento da União.



No presente momento, a economia capitalista passa pela mais grave crise desde 1929. É uma crise estrutural do sistema que explora os/as trabalhadores/as, que concentra renda e que condena milhões à fome e à miséria. Este sistema, desde as últimas décadas do século XX, tem se guiado por políticas de liberalização financeira e comercial. As políticas de desregulamentação e da auto-regulação do mercado estão na base da crise financeira atual. O resultado desta liberdade sem controles resultou em um processo de financeirização sem limites, cuja expressão é a existência de um fosso entre a riqueza produzida na forma de papéis (títulos públicos, ações e derivativos) e a riqueza real alcançada pela produção e pelo trabalho. De acordo com dados do Bank for International Settlements (BIS), a riqueza em papéis denominados de "derivativos e outras inovações financeiras" é de cerca de US$ 600 trilhões comparado a um valor de produção efetiva de riquezas, medida pelo PIB mundial, de US$ 65 trilhões. O colapso do sistema de financiamento imobiliário americano é apenas a face mais visível de uma crise mais profunda.



Diante do número de instituições e empresas envolvidas, da somatória dos valores em jogo e do risco de propagação rápida dos efeitos da crise sobre os investimentos, a produção e o emprego, os governos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento vêm adotando um conjunto de ações, como a



aplicação de mecanismos de "socorro" às instituições afetadas, o aumento da liquidez na economia e as alterações nas taxas de juros e nas taxas de câmbio etc. Mas estas medidas não estão acompanhadas de contrapartidas claras, e, desta forma, tornam-se simples transferência de dinheiro público para a especulação.



A economia brasileira apresentou taxas de crescimento expressivas entre 2004 e 2007: taxa anual média de crescimento do PIB de 4,4% contra 2,1% em média anual nas duas décadas anteriores. Este desempenho alicerçou-se, em grande medida, na expansão da economia doméstica e em três vetores fundamentais: o aumento das exportações, o incremento do crédito e as medidas de distribuição de renda, especialmente as políticas de valorização do salário mínimo e o Programa Bolsa Família. Como conseqüência, no Governo Lula, expandiu-se a contratação de empregos formais nos diversos setores da atividade econômica e iniciou-se um processo de recuperação dos salários em geral, por meio das negociações coletivas.



A CUT contribuiu diretamente para este cenário positivo, por intermédio, entre outros, de suas propostas e mobilizações, como as Marchas à Brasília, que foram determinantes para a execução da Política de Recuperação do Salário Mínimo; dos acordos de atualização da tabela do Imposto de Renda; das negociações que resultaram na redução das taxas de juros nos empréstimos com consignação em folha; da pressão por mais investimentos em políticas sociais como a educação e saúde e por recursos adicionais para a agricultura familiar.



Os efeitos da crise financeira internacional sobre a economia brasileira já começam a se fazer sentir, como o anúncio de férias coletivas e a suspensão dos investimentos programados em setores importantes de nossa economia. Portanto, é fundamental uma intervenção rápida, correta e decisiva do Estado brasileiro, para impedir que estes efeitos se espraiem sobre os vários setores, interrompendo bruscamente o referido processo de crescimento econômico. Mais ainda: a intervenção é essencial, porque, em um cenário de propagação da crise, os trabalhadores são certamente as maiores vítimas, por meio da perda do emprego e da rápida queda do nível de renda, entre outros.



O governo brasileiro tem adotado medidas para salvaguardar o funcionamento do sistema de crédito no Brasil e preservar da crise a economia real, como a medida de liberação do compulsório e a permissão para que os bancos públicos (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil) possam incorporar instituições financeiras e não-financeiras em dificuldades. A CUT defende que medidas como estas sejam obrigatoriamente acompanhadas de contrapartidas para o Estado e os trabalhadores.



A CUT entende que a intervenção do Estado não pode significar a "socialização das perdas" do setor financeiro com a sociedade em geral - sendo que, no período do crescimento recente, o que se percebeu foi a "privatização dos ganhos" expressa nos gigantescos lucros anuais dos bancos, que atingem a casa de dezenas de bilhões de dólares no Brasil.



Diante deste diagnóstico e das posições históricas da CUT, a Direção Executiva da CUT discutiu e deliberou pela apresentação ao Governo, à sociedade brasileira e aos espaços e Fóruns internacionais nos quais a Central participa, o seguinte conjunto de diretrizes de propostas para o enfrentamento da crise:



a) DEFESA E GARANTIA DO EMPREGO



1) Nenhuma demissão. Estabilidade no emprego.



2) Ratificação da Convenção nº 158 da OIT.



3) Redução constitucional da jornada máxima de trabalho para 40 horas semanais sem redução dos salários e limitação das horas extras conforme proposta da CUT.



4) Ampliação das Políticas de geração de emprego no setor privado e no setor público, especialmente para os segmentos mais vulneráveis, a exemplo das mulheres e da população negra.



5) Programa especial de geração de emprego e renda na agricultura a partir do fortalecimento da Agricultura familiar e garantia de preços mínimos.



6) Reforma Agrária: Estabelecimento de limite de propriedade da terra; atualização dos índices de produtividade; garantia de instrumentos legais de controle de compra de terras por estrangeiros; combate ao trabalho escravo.



b) INVESTIMENTOS



7) Fortalecimento da política de valorização do salário mínimo e das aposentadorias e as políticas públicas de saúde e educação, garantindo-se a ampliação de recursos do orçamento público para as áreas sociais (EC29, FUNDEB etc) e os programas de transferência de renda.



8) Fim do superávit primário e ampliação dos investimentos em obras de infra-estrutura, a valorização do serviço público e das políticas sociais, a exemplo dos Territórios da Cidadania.



9) Ampliação da capitalização do BNDES e dos recursos para o orçamento corrente da instituição, visando o financiamento dos investimentos e, desta forma, reduzir a taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).



10) Revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal.



c) CRÉDITO



11) Nenhum recurso financeiro deve ser concedido à especulação.



12) Qualquer instituição financeira que apresente estado de falência deve ser estatizada.



13) Criação de mecanismos como multas, taxas, punições administrativas, entre outras, que assegurem a concessão de crédito à economia e que os recursos liberados pelo governo federal cheguem à economia real, não sendo utilizados pelos bancos para outros fins.



14) Qualquer "socorro" que o governo resolva conceder às instituições financeiras e não-financeiras que apresentem problemas em função da atual crise internacional deve ter contrapartidas, a partir dos seguintes critérios:

14.1 Garantia da manutenção do nível de emprego nas instituições financeiras e não-financeiras.

14.2 Garantia de estabilidade de emprego nos processos de fusões e incorporações.

14.3 Que os volumes de recursos dos programas de apoio serão devolvidos ao Estado, em parcelas e prazos previamente determinados.

14.4 Limitação dos rendimentos dos executivos das instituições financeiras e não-financeiras.



15) Ampliação das ações para garantir crédito e seguro para a agricultura familiar, como também o crédito imobiliário, visando combater o déficit habitacional.



d) MEDIDAS EMERGENCIAIS



16) Estruturação pelo Governo Federal de Plano de Renegociação de Dívidas para pequenas empresas, assalariados e trabalhadores em geral.



17) Redução do impacto da desvalorização do real nos preços dos alimentos e produtos de primeira necessidade, por meio, entre outros, da redução dos impostos internos, com a contrapartida da manutenção de preços.



18) Construção do Contrato Coletivo Nacional de Trabalho.



19) Constituição, em caráter emergencial, de Câmaras Setoriais e especialmente nos setores mais atingidos pela crise do crédito e retração da atividade econômica (construção civil, têxtil e calçados, alimentação etc), de forma que as iniciativas de apoio do Estado representem contrapartidas na área da garantia do emprego, melhoria das relações de trabalho em cada setor.

20) Valorização do salário mínimo, com a incorporação da variação dos preços da alimentação já no reajuste de 2009.



21) Interromper os processos de privatização do patrimônio público (Embrapa e Infraero), o leilão das reservas petrolíferas, bem como revogar o marco regulatório herdado do Governo FHC, de modo que a riqueza do pré-sal seja explorada em benefício da Nação.



22) Retirada do Projeto de Lei que propõe a implantação das Fundações Estatais de Direito Privado.



e) GARANTIAS DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES



23) Ampliação dos direitos dos trabalhadores e retirada dos projetos de flexibilização hoje existentes no Congresso Nacional, como o PL nº 4302/1998, que trata do trabalho temporário e da terceirização.



24) Garantia de cumprimento pleno dos acordos coletivos firmados com os servidores públicos em todas as esferas de governo (federal, estadual e municipal) e ratificação da Convenção nº 151, que prevê a negociação coletiva para os servidores públicos.



25) Garantia do cumprimento da Lei que estabelece o Piso Nacional do Magistério.



f) POLÍTICAS ECONÔMICAS



26) Sistema de Metas de Inflação mais flexível, com a efetiva utilização do intervalo de taxas de inflação admissíveis, sem determinar qual a meta-centro.



g) SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL E INTERNACIONAL



27) Regulamentação do artigo nº 192 da Constituição Federal, que trata da regulação e do papel social do Sistema Financeiro.



28) Fortalecimento do papel social dos bancos públicos.



29) Por meio de uma ampla articulação desenvolvida no âmbito da CSI e da CSA, promover uma agenda de debates e ações visando a estruturação de nova ordem financeira internacional, que, entre outros, estabeleça maior controle das operações das instituições financeiras e do fluxo de capitais entre os países, de modo a minimizar os impactos gerados nas economias nacionais.



30) Fortalecimento do Mercosul como forma de reduzir os impactos dos fluxos de saída de capitais externos. Este fortalecimento deve enfatizar os aspectos de complementaridade dos projetos e o desenvolvimento da dimensão social, com o estabelecimento de contrapartidas e aplicação da Declaração Sócio-Laboral.



Com estas propostas, a CUT organizará debates e Atos Públicos nos estados (a exemplo do ato realizado no dia 04 de novembro de 2008 na cidade de São Paulo) para mobilizar a sociedade e reafirmar que a solução para a crise é a geração de emprego e renda. Esta mobilização culminará, no dia 03 de dezembro com a V Marcha da Classe Trabalhadora, em Brasília, quando caravanas de todo o país pressionarão o Governo, o Legislativo e o Judiciário a tomarem decisões a favor do povo brasileiro, daqueles que constroem as riquezas reais do Brasil.

Os trabalhadores e as trabalhadoras não querem e não vão pagar pagar a conta da crise financeira!



São Paulo, 05 e 06 de novembro de 2008

Direção Executiva Nacional da CUT

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Seminário debaterá reparação às vítimas da ditadura

Maurício Thuswohl (Agência Carta Maior)

A discussão sobre o direito à reparação financeira para as vítimas da ditadura militar e a pertinência da punição para seus torturadores ganha corpo em todo o Brasil. Reflexo desse momento, será realizado entre os dias 17 e 19 de novembro o Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição, que reunirá no Rio de Janeiro diversos especialistas e militantes em direitos humanos, além de representantes do poder público e de organizações não-governamentais.


O seminário acontecerá na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e na sede do Arquivo Nacional, e está sendo organizado em parceria pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e pelo Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Uerj. O objetivo do evento, segundo os organizadores, é “potencializar o diálogo com organizações e militantes de direitos humanos, anistiados e anistiandos políticos, acadêmicos e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e demais interessados, favorecendo a construção de estratégias comuns de respeito e garantia dos direitos humanos e da democracia”.

Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior saúda a realização do seminário: “Ele terá a importância de elevar qualitativamente o debate sobre a nossa transição democrática. Nós tivemos no Brasil uma política de transição, mas não uma justiça de transição. Justiça de transição, enquanto uma diretiva do Conselho de Segurança da ONU, pressupõe a observância da promoção de quatro elementos pós-redemocratização: da verdade, da memória, da justiça e da reparação”, afirma.

Esse processo, segundo Paulo Abrão, está inconcluso no país: “O Brasil somente tem levado adiante a reparação às vítimas. Não possui política pública de memória social, não abriu os arquivos para trazer à tona a história, não responsabilizou judicialmente os algozes da democracia e dos direitos humanos. Por isso, tivemos em nosso país apenas uma política de transição e não uma justiça de transição. E, assim mesmo, uma política de transição capenga, pois, lembremos, o Congresso não aprovou a anistia ampla, geral e irrestrita proposta pela sociedade civil e o MDB no dia 29 de agosto de 1979, e sim uma anistia restrita”.

Paulo Abrão afirma que “o conceito de justiça de transição é pouco disseminado nas práticas jurídicas e acadêmicas brasileiras, mas está assentado em outros países”. Esse deve ser o foco do seminário que, além das conferências, mesas de debate e vídeos, promoverá em seu último dia a inédita reunião de todas as comissões de verdade e reparação da América Latina: “Dali poderão ser verificados pontos históricos convergentes nas formas de repressão e de resistência nestes países, além da maneira como cada país lidou com a transição. É importante saber também se as informações que estão disponíveis em cada país podem ser complementares na elucidação de fatos”, diz o presidente da Comissão de Anistia.

Para Emir Sader, secretário-executivo do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso), os regimes de terror que se impuseram no nosso sub-continente foram a cara mais abertamente repressiva da nossa história. "Sua memória deixa suas marcas nas democracias que as substituiram. Sem a verdade, nunca poderemos virar a página desse momento terrivel da nossa história. Este seminario pretende contribuir para que o conhecimento nos possa fazer um pouco menos prisioneiros de um passado que teima em não passar".

Eixos temáticos

O Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição terá seis eixos temáticos: 1) Iniciativas Latino-Americanas para o “Nunca Mais”; 2) Gestão Administrativa, Política e Histórica dos Arquivos da Ditadura Militar; 3) Estado Democrático de Direito, Organizações Internacionais e Sistemas de Reparação; 4) Silêncio, Tempo e Memória – experiências de participação política e resistência na América Latina; 5) Identidade, Alteridade e Reconhecimento – o processo de legitimação jurídico-social da anistia política na América Latina; 6) Poder Judiciário e Sistemas de Reparação na América Latina.

Participarão do seminário os ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, além do ex-ministro Nilmário Miranda, que antecedeu Vannuchi. Também estarão no evento, que terá seis mesas de debate, o representante do Tribunal Penal Internacional de Haia, Xavier Aguirre, o presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos do Brasil, Marco Antonio Rodrigues Barbosa, e o ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Hélio Bicudo, entre outros.

Os primeiros dois dias do seminário acontecerão no Teatro Noel Rosa (Uerj) e o último, quando se realizarão as reuniões das comissões de verdade e reparação dos países da América Latina, acontecerá na sede do Arquivo Nacional. O evento será aberto ao público, mediante inscrição gratuita que pode ser feita através do site www.lpp-uerj.net/anisitia na internet.

Para Paulo Abrão Pires Júnior, “o debate sobre o alcance da lei de anistia hoje no Brasil é uma questão de princípio”. O presidente da Comissão de Anistia justifica a pertinência do seminário com uma série de indagações: “A tortura pode ser considerada crime político? Podemos anistiar crimes de tortura? Que conseqüências isso traz para nossa democracia? Como ficam os tratados e convenções internacionais na área de direitos humanos aos quais o país é signatário? Como fica o Brasil diante da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual estamos vinculados e que declara que tortura é crime contra a humanidade, imprescritível e não passível de anistia?”.

Mais informações em http://www.lpp-uerj.net/anistia/ e www.mj.gov.br/anistia



Artigo de Paul Singer sobre a crise

Publicado originalmente na Agência Carta Maior. Clique aqui para ler o artigo em seu local original.

PAUL SINGER

O mistério do interrelacionamento entre as finanças e a economia da produção e do consumo

É nos momentos de crise financeira que a opinião pública se volta a este tema: como se interrelacionam o mundo financeiro com suas vicissitudes especulativas e o mundo da produção e consumo de valores de uso. São dois mundos distintos: no primeiro circulam valores monetários denominados genericamente de ativos porque são créditos, a cada um dos quais corresponde um débito (ou passivo); no segundo circulam bens e serviços que satisfazem necessidades de seres humanos, que por isso se dispõem a pagar para adquiri-los. Estes bens e serviços são mercadorias – produtos do trabalho humano destinados à venda, à troca por dinheiro - e neste sentido também são valores monetários. A diferença entre ativos e mercadorias é que os primeiros são valores virtuais, isto é, não satisfazem qualquer necessidade diretamente, ao passo que os últimos são valores reais, prontos para serem utilizados ou consumidos.

As finanças prestam serviços à economia real: recebem em depósito a poupança de famílias e empresas (sem falar dos governos) e lhes oferecem empréstimos. Serviços financeiros são basicamente de intermediação entre famílias e empresas que têm poupanças e outras que necessitam de dinheiro. As finanças recolhem o dinheiro sobrante das primeiras e o emprestam às últimas. Mas, sua atividade principal é emprestar a governos e empresas para que possam fazer investimentos. Embora as compras a prazo dos consumidores sejam importantes – sobretudo o crédito hipotecário - a maior parte dos ativos se destina a financiar investimentos do poder público e das empresas capitalistas, sobretudo de grande porte.

Além disso, boa parte da poupança captada pelas finanças são delas mesmas. A atividade financeira expandiu-se acentuadamente nos últimos decênios de globalização e neo-liberalismo, usufruindo de lucros extraordinários, parte dos quais alimentam as remunerações milionárias dos altos executivos financeiros. Uma parte crescente do capital total da economia capitalista globalizada gira no mundo financeiro e nas fases de alta dos ciclos de conjuntura usufrui de inegável hipertrofia.

São muitas as modalidades de empréstimos praticados pelas finanças: depósitos bancários, títulos negociados em Bolsas de Valores, emissões de títulos por governos, grandes empresas, companhias de seguros (apólices), emissão de cartões de crédito e de débito e assim por diante. O que efetivamente importa é que os intermediários podem emprestar mais dinheiro do que captaram do público ou de outros intermediários. Eles podem fazer isso porque gozam de crédito por parte do público que aceita em pagamento os ativos avalizados por bancos. É assim que funcionam os cheques e os cartões eletrônicos: são ordens de pagamento que o cliente do banco emite para que determinadas dívidas, que ele faz junto a lojas, restaurantes etc., sejam pagas pelo seu banco. A grande maioria das transações dos agentes da economia real é liquidada por meio de instrumentos chamados meios de pagamento emitidos por bancos. Só transações de pouco valor são liquidadas por meio da moeda oficial emitida pela Autoridade Monetária, que pode ser o Banco Central ou o Tesouro do governo nacional.

Os bancos ganham dinheiro fazendo empréstimos, pelos quais cobram juros. Os serviços que prestam aos depositantes só lhes dão despesas. Os bancos precisam dos depósitos porque eles constituem o lastro dos empréstimos que fazem. O Banco Central exige que os bancos comerciais mantenham um encaixe mínimo que serve para cobrir os saques dos depositantes. Os prestatários (que recebem os empréstimos) sacam rapidamente os valores acrescentados aos seus saldos para pagar os fornecedores de equipamentos, instalações, matérias primas etc. que são os elementos materiais de seus investimentos. Os fornecedores, por sua vez, depositam imediatamente o dinheiro recebido em seus bancos, quando o dinheiro não é transferido diretamente para suas contas. O que significa que o dinheiro utilizado pelos agentes da economia real para liquidar transações entre eles circula incessantemente entre os bancos, ou seja, no âmbito financeiro.

Quando todos os bancos, no afã de ganhar mais, ampliam os empréstimos a agentes da economia real, os depósitos de todos eles aumentam. O efeito importante é sobre a economia real, que se expande na medida em que os investimentos crescem, o que ocasiona a ampliação do emprego, da produção e do consumo. A expansão da economia real se auto-alimenta na medida em que desempregados conseguem trabalho, os gastos do público aumentam, o que suscita mais investimentos, mais emprego e mais produção.

O ciclo de conjuntura

A fase de alta do ciclo se origina mais frequentemente na economia real do que no âmbito financeiro. Ela é desencadeada geralmente por inovações tecnológicas de grande impacto sobre a produção e/ou consumo ou por mudanças institucionais, como a instauração de sistemas de previdência social, de assistência à saúde ou de transferência de rendimentos à população mais pobre. A realização de inovações tecnológicas exige investimentos vultosos, o que eleva as demandas de financiamento por parte das empresas. O mesmo se dá quando iniciativas governamentais de redistribuição de renda elevam os gastos de consumo de amplos setores da sociedade, o que também requer investimentos para ampliação da capacidade de produção dos bens e serviços consumidos por aqueles setores.

O crescimento da demanda por empréstimos normalmente evoca resposta favorável das finanças, que farejam oportunidades para bons negócios. É conhecida a tendência dos intermediários financeiros de agir como rebanhos: quando a alta cíclica da economia real acontece, todos os banqueiros se entusiasmam, convictos de que os riscos de que os empréstimos deixem de ser pagos tornaram-se insignificantes. Na medida em que as expectativas otimistas se revelam verdadeiras – os financiamentos são pagos pontualmente – o entusiasmo cresce até se tornar euforia. Microempresas, incapazes de oferecer garantias reais normalmente exigidas, acabam por receber empréstimos em função do seu potencial, representado algumas vezes por não muito mais do que uma boa idéia.

A euforia é contagiante. Ela pode ter começado na economia real e contaminado as finanças ou vice-versa. Seja como for, enquanto o potencial das inovações tecnológicas ou das mudanças institucionais não estiver esgotado, a fase de alta do ciclo se eleva cada vez mais, graças à interação simbiótica das finanças com a economia real. Até que ela bate num teto. Este pode ter por causa o esgotamento da capacidade de expansão da oferta de mercadorias, por falta de mão-de-obra ou de oferta de energia ou de capacidade de transporte e armazenagem ou de tudo isso em conjunto.

Outra origem do teto para a alta pode ser o esgotamento da necessidade das mercadorias cuja produção está em perene aceleração. Este foi o caso da bolha imobiliária, que está na origem da atual crise financeira. A demanda por habitação costuma ser grande, mas certamente não é infinita. A alta da atividade de construção tem elevado poder de irradiação por toda economia, na medida em que ela implica em procura crescente por material de construção, equipamentos e mão-de-obra, além de mobília, eletrodomésticos, objetos de decoração etc., etc.. Como a construção de casas e prédios é relativamente prolongada, quando o esgotamento da demanda se torna manifesto, a quantidade de construções em andamento está no auge. Interrompê-las pode ser extremamente custoso, mas levá-las a cabo implica em mais investimentos numa mercadoria que provavelmente se tornará invendável, a não ser por um preço muito abaixo do custo.

O estouro duma bolha imobiliária atinge em cheio as finanças porque imóveis são objetos privilegiados para a especulação, particularmente porque os investimentos parecem protegidos por elevada garantia material, qual seja, os próprios imóveis. Uma parte da intermediação financeira se especializa no financiamento hipotecário e quando a bolha atinge seu apogeu este setor atrai enorme quantidade de dinheiro, parte do qual é investida na especulação fundiária. Quando finalmente a oferta de residências ultrapassa a demanda solvável, o preço tanto dos terrenos como das construções despenca, acarretando grandes prejuízos não só aos investidores, mas também às instituições que os financiam. No caso da atual crise financeira, a peculiaridade é que, durante a alta, instituições financeiras fizeram empréstimos à população de baixa renda, que implicam riscos maiores do que os normais. Por isso os títulos de crédito destas operações recebem a classificação de subprime, o que significa algo como “abaixo dos melhores”.

Para poder vender estes títulos ao público sem deságio, as instituições os empacotaram com outros títulos de risco considerado menor, numa manobra conhecida como de diluição de riscos. A operação aparentemente foi um sucesso: títulos no valor de muitos bilhões de dólares foram incorporados às carteiras de ativos de numerosos bancos de investimento, não só dos Estados Unidos, mas também da Europa. Quando o ciclo imobiliário entrou em baixa, o preço das residências e o aluguel das mesmas sofreram forte queda, tornando desproporcionalmente onerosa a dívida assumida por milhões de famílias pobres. Em outras palavras, o prejuízo causado pelo estouro da bolha foi colocado sobre os ombros de quem menos podia suportá-lo. Os devedores deixaram de honrar suas dívidas, arriscando-se a perder suas casas e apartamentos, cada vez mais desvalorizados. Desta maneira o prejuízo bilionário da crise imobiliária voltou ao colo dos especuladores financeiros, que se mostraram igualmente incapazes de suportá-lo. Um grande banco estadunidense faliu e diversos outros foram provisoriamente estatizados, tanto na América do Norte como na Europa.

Crises que se originam no âmbito financeiro

Há crises que se originam no próprio setor financeiro, sem envolver inicialmente a economia real. Uma crise deste tipo ocorreu em 2000, nos Estados Unidos, por ocasião da grande euforia ocasionada pela criação da Internet e a conseqüente revelação de suas inegáveis potencialidades. A criação de empresas de informática muito lucrativas e capazes de expansão fulminante provocou uma corrida nas Bolsas de Valores por ações de firmas em setores de alta tecnologia. As ações passaram a se valorizar cada vez mais, proporcionando ganhos milionários aos especuladores institucionais – fundos de investimento, fundos de pensão, companhias de seguro etc. – e também a um crescente número de pessoas físicas, que passaram a arriscar suas economias neste jogo.

O Federal Reserve – o banco central dos Estados Unidos – resolveu intervir para deter a bolha, certamente para limitar as perdas quando seu inevitável estouro tivesse lugar. Para tanto, o Federal Reserve começou a elevar paulatinamente a taxa oficial de juros, encarecendo deliberadamente o crédito em geral. Esta ação levou meses, até que a taxa de juros para investimento praticamente ‘sem risco’ chegasse a um patamar que levasse investidores a preferir aplicações a juros em lugar de comprar ações, cujo rendimento depende da lucratividade da firma que as emite. A partir deste momento o volume de recursos aplicados em ações começou a diminuir, o que fez com que os seus preços passassem a crescer cada vez menos. Subitamente, o humor dos especuladores mudou inteiramente e um número cada vez maior deles começou a vender suas ações, tendo em vista aplicar o dinheiro em outros ativos. O que causou uma débâcle nas Bolsas, não só dos EUA, mas também do resto do mundo, com queda vertical das cotações.

Os prejuízos dos intermediários financeiros foram enormes, com a perda de trilhões de dólares no valor das empresas. Ficou evidente que as cotações haviam atingido níveis muito maiores do que a lucratividade destas empresas justificaria. O Federal Reserve imediatamente inverteu sua política, passando a reduzir também paulatinamente a taxa de juros, para tentar evitar que a crise das bolsas afetasse a economia real. Mas, apesar da notável agilidade do Federal Reserve, a economia real estadunidense entrou em recessão. O débâcle dos mercados de ações ocasionou fortes perdas aos fundos, cujos investidores passaram a conter seus gastos, o mesmo acontecendo com os milhões de particulares que arriscaram suas economias no jogo especulativo. E o crédito mais restrito e caro também impediu que muitos investimentos planejados fossem executados.

A queda na demanda dos consumidores e na realização de investimentos causou uma queda na atividade econômica, que foi enfrentada pela Autoridade Monetária mediante injeções de dinheiro, que ajudaram a financiar o setor imobiliário. A recessão de 2000/2001, agravada pelo ataque às Torres Gêmeas de Nova Iorque, foi superada pela persistente alta dos preços dos imóveis e a expansão da atividade construtiva, que constitui o pano de fundo da crise financeira começada em 2007 e que atualmente (2008) começa a afetar a economia real estadunidense e européia.

O inter-relacionamento entre as finanças e a economia real

Historicamente, as finanças modernas surgiram desde o século XIV, na Europa Ocidental para financiar os governos monárquicos, principalmente suas guerras e suas alianças matrimoniais. Em muitos países, os primeiros bancos eram oficiais, possuídos por autoridades nacionais ou locais. No Brasil, nosso primeiro banco foi criado por D.João VI no início do século XIX e permaneceu sob controle do governo imperial até a Proclamação da República, sendo a criação de bancos privados mal tolerada pelo poder público.

A conhecida propensão das finanças entrarem em crise, como vimos acima, provoca praticamente sempre uma forte intervenção estatal no setor, tendo em vista preservar a normalidade dos negócios financeiros e muitas vezes com o propósito explícito de proteger a economia real das emanações destrutivas da crise financeira. Em diversos países, todos os intermediários financeiros chegaram a ser estatizados e ficaram nesta condição por anos, até que algum governo resolveu reprivatizá-los..

Sem considerar o papel do Estado é impossível compreender o inter-relacionamento entre as finanças e a economia real. Atualmente, as finanças de cada país são constituídas majoritariamente por entidades privadas, mas sob controle e fiscalização do Banco Central. As finanças são quase sempre dominadas por um número reduzido de grandes entidades, que constituem complexos financeiros com atuação em quase todas modalidades financeiras, desde os bancos de varejo e os bancos de investimento atacadistas (que lidam apenas com grandes inversores) até as companhias de seguro, os fundos de investimentos, as companhias de cartões eletrônicos etc..

Com o advento da globalização financeira, produto da abertura total da circulação dos capitais sobre as fronteiras nacionais de numerosos países, o poder do Estado nacional sobre as finanças foi consideravelmente erodido, porque se algum governo nacional vier a tomar medidas que contrariem os interesses das firmas financeiras privadas, ele se defrontaria imediatamente com forte fuga de capitais para paraísos fiscais, que lhes garantem liberdade total de ação a custo muito baixo. Para que os governos nacionais possam recuperar o controle sobre o capital financeiro, a primeira medida teria que ser o restabelecimento do controle sobre a movimentação internacional dos capitais privados.

A economia real também é dominada por um punhado de transnacionais de grande porte. Para não ter de se submeter aos complexos financeiros, estas firmas criaram seus próprios braços financeiros, semelhantes aos complexos financeiros independentes. As estruturas das finanças e da economia real se assemelham, sobretudo em seus aspectos oligopólicos e transnacionais. Mas, a economia real é muito mais diversificada e é composta por um número muito maior de empreendimentos de pequeno porte do que o setor financeiro. Por isso, na maior parte dos países, a intervenção do Estado na economia real é mais dispersa e muito mais diversificada, consistindo em geral na concessão de incentivos e imposição de proibições de atividades que violam a concorrência, os direitos dos trabalhadores ou a preservação de recursos naturais não renováveis.

A economia real é instável e imprevisível por causa da ausência de qualquer tentativa de coordenação da produção e do consumo, distribuídos hoje em dia por milhares de mercados distintos. Tentativas de coordenar as ações de todas as empresas de determinado setor são consideradas formação de cartel e portanto ameaças à competição, o que é punível por lei. Decisões devem ser tomadas isoladamente por cada empresa, para que a competição nos diversos mercados seja livre.

Para tornar a economia real mais estável e previsível a cartelização de determinados ramos deveria ser não só permitida, mas fomentada e controlada pelo poder público, para tornar as decisões estratégicas das empresas mutuamente congruentes e portanto mais eficazes. O controle público teria por objetivo impedir que o ganho de eficiência seja apoderado apenas pelo segmento mais forte, mas compartilhado com todas as empresas da cadeia produtiva e com os consumidores dos produtos.

A instabilidade e imprevisibilidade do mundo financeiro são, em certa medida, reflexos destas características da economia real. Mas, no mundo financeiro a imprevisibilidade é condição indispensável para que possa haver especulação, que constitui a razão de ser de parte considerável (Bolsas de Valores e de Mercadorias) deste mundo. Isso faz com que a instabilidade e a incerteza quanto ao futuro, nas finanças, sejam muito maiores do que na economia real. Os ativos com que lidam as finanças, são contratos a serem executados num futuro, que no capitalismo é inevitavelmente incerto.

Além disso, há outra diferença entre as finanças e a economia real que torna a instabilidade e imprevisibilidade muito maior no âmbito financeiro: é que este está sujeito a ondas de otimismo ou pessimismo que arrastam o conjunto de operadores numa ou noutra direção, maximizando ganhos e perdas sempre que o rebanho muda bruscamente de direção. A especulação na economia real se funda mais em informações específicas sobre determinados setores de produção e consumo. Por isso, a economia real é menos propensa a se lançar inteira em ondas de otimismo ou pessimismo, provocadas por apreciações apenas subjetivas.

A crise financeira, por tudo isso, pode ser considerada inevitável, pelo menos enquanto a desregulação das finanças permanecer em vigor. A crise faz com que a prestação de serviços financeiros à economia real se contraia cada vez mais até cessar ao todo, a partir do momento em que a crise alcança a maior parte dos bancos e demais intermediários. O trancamento das fontes de crédito obriga as empresas que não dispõem de reservas líquidas abundantes a suspender o pagamento de suas dívidas e se a crise se prolongar elas acabam por falir. Os rombos deixados pelas falidas arrastam suas credoras à inadimplência por sua vez. Desta maneira, a crise financeira contamina a economia real, podendo lançá-la em recessão em pouco tempo.

Então, o que fazer?

Trata-se de circunscrever a crise financeira, num primeiro momento, para evitar que ela venha a paralisar a economia real. Uma eventual crise da economia real tem conseqüências sociais e políticas muito mais amplas porque ela começa por lançar no desemprego e logo mais na miséria uma parcela substancial da sociedade. Uma crise da economia real é muito mais difícil de reverter por medidas de Estado, porque não basta recuperar a confiança da população em determinadas instituições. Seria necessário criar novas atividades capazes de reinserir milhões de pessoas na economia mediante políticas de fomento e incentivo que somente poderão ser definidas por um processo prolongado de tentativa e erro. A grande crise de 1929 levou uma década para ser superada e mesmo assim graças ao “auxílio” de uma guerra mundial.

Como a crise da economia real não aconteceu ainda e tão pouco é fatal, partiremos do pressuposto de que é possível preveni-la desde que sejam adotadas políticas capazes de resolver em curto prazo a atual crise financeira e ao mesmo tempo lancem fundamentos de uma nova estrutura institucional capaz de evitar novas crises financeiras no futuro. Convém lembrar que o sistema monetário internacional implantado nos anos 1930, e consolidado e sistematizado na Conferência de Bretton Woods em 1944, livrou o mundo de crises financeiras internacionais por mais de 40 anos.

Ao contrário da política do governo de Bush, que se dispõe a resgatar os bancos falidos comprando seus créditos podres, e por isso sem valor, por preços que evitem a bancarrota gastando algo como 700 bilhões de dólares do erário público, o Estado deveria se apossar dos bancos falidos e só então reabilitá-los com recursos do tesouro. Se os governos não fizerem isso, é provável que o dinheiro público injetado nos bancos seja entesourado, porque é o que todos os agentes privados fazem enquanto o pânico perdura. Mas, para superar a crise financeira e impedir que ela lance a economia real em recessão, é essencial que o crédito seja restaurado, o que possivelmente exigirá uma intervenção efetiva do poder público nos bancos.

Uma vez superada a crise, uma reformulação em profundidade das finanças deveria ser pautada. Há bons argumentos a favor da estatização perene de todos os bancos que emitem os meios de pagamento do país, não só para preservar o meio circulante da especulação mas, sobretudo, para garantir os valores dos depositantes e fazer com que sejam aplicados onde são mais necessários do ponto de vista do interesse geral da sociedade. O que pode implicar numa governança participativa do novo sistema financeiro, com forte presença dos assalariados, trabalhadores da economia solidária, além dos setores empresariais de praxe.

Se as finanças fossem todas colocadas sob um comando unificado, elas poderiam controlar a economia real inteira, impondo-lhe diretrizes sobre o que e quanto produzir e consumir, de forma semelhante ao que foi feito nos países do ‘socialismo real’ no afã de planejar centralmente todas as atividades econômicas. Este não é um modelo que permitiria a paulatina construção duma economia socialista autogestionária. Em lugar dele algo como um parlamento econômico, composto por representantes eleitos dos diferentes modos de produção – capitalismo, pequena produção de mercadorias, economia solidária, economia pública local, regional e nacional etc.. – certamente seria mais adequado.

Finalmente, o mercado de capitais teria de ser reformulado, tendo em vista não só coibir a especulação, mas também reconstruir os laços entre o investidor privado e o empreendimento em que ele é sócio. Neste sentido, seria necessário retirar a presente “liquidez” dos investimentos, que hoje podem ser colocados numa firma e retirados depois num piscar de olhos e quase sem custos. Entre as idéias que me ocorrem uma seria limitar o número de sócios de cada firma, de modo que seja possível a cada um participar efetivamente da administração da mesma, pelo menos na condição de membro duma assembléia de acionistas com influência real sobre a empresa. Só assim, propostas de cogestão de empresas por proprietários, empregados e representantes dos clientes p.ex. poderiam ser viáveis.

Paul Singer é economista e Secretário Nacional de Economia Solidária do Governo Federal