A discussão sobre o direito à reparação financeira para as vítimas da ditadura militar e a pertinência da punição para seus torturadores ganha corpo em todo o Brasil. Reflexo desse momento, será realizado entre os dias 17 e 19 de novembro o Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição, que reunirá no Rio de Janeiro diversos especialistas e militantes em direitos humanos, além de representantes do poder público e de organizações não-governamentais.
O seminário acontecerá na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e na sede do Arquivo Nacional, e está sendo organizado em parceria pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e pelo Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Uerj. O objetivo do evento, segundo os organizadores, é “potencializar o diálogo com organizações e militantes de direitos humanos, anistiados e anistiandos políticos, acadêmicos e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento e demais interessados, favorecendo a construção de estratégias comuns de respeito e garantia dos direitos humanos e da democracia”.
Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior saúda a realização do seminário: “Ele terá a importância de elevar qualitativamente o debate sobre a nossa transição democrática. Nós tivemos no Brasil uma política de transição, mas não uma justiça de transição. Justiça de transição, enquanto uma diretiva do Conselho de Segurança da ONU, pressupõe a observância da promoção de quatro elementos pós-redemocratização: da verdade, da memória, da justiça e da reparação”, afirma.
Esse processo, segundo Paulo Abrão, está inconcluso no país: “O Brasil somente tem levado adiante a reparação às vítimas. Não possui política pública de memória social, não abriu os arquivos para trazer à tona a história, não responsabilizou judicialmente os algozes da democracia e dos direitos humanos. Por isso, tivemos em nosso país apenas uma política de transição e não uma justiça de transição. E, assim mesmo, uma política de transição capenga, pois, lembremos, o Congresso não aprovou a anistia ampla, geral e irrestrita proposta pela sociedade civil e o MDB no dia 29 de agosto de 1979, e sim uma anistia restrita”.
Paulo Abrão afirma que “o conceito de justiça de transição é pouco disseminado nas práticas jurídicas e acadêmicas brasileiras, mas está assentado em outros países”. Esse deve ser o foco do seminário que, além das conferências, mesas de debate e vídeos, promoverá em seu último dia a inédita reunião de todas as comissões de verdade e reparação da América Latina: “Dali poderão ser verificados pontos históricos convergentes nas formas de repressão e de resistência nestes países, além da maneira como cada país lidou com a transição. É importante saber também se as informações que estão disponíveis em cada país podem ser complementares na elucidação de fatos”, diz o presidente da Comissão de Anistia.
Para Emir Sader, secretário-executivo do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso), os regimes de terror que se impuseram no nosso sub-continente foram a cara mais abertamente repressiva da nossa história. "Sua memória deixa suas marcas nas democracias que as substituiram. Sem a verdade, nunca poderemos virar a página desse momento terrivel da nossa história. Este seminario pretende contribuir para que o conhecimento nos possa fazer um pouco menos prisioneiros de um passado que teima em não passar".
Eixos temáticos
O Seminário Latino-Americano de Justiça de Transição terá seis eixos temáticos: 1) Iniciativas Latino-Americanas para o “Nunca Mais”; 2) Gestão Administrativa, Política e Histórica dos Arquivos da Ditadura Militar; 3) Estado Democrático de Direito, Organizações Internacionais e Sistemas de Reparação; 4) Silêncio, Tempo e Memória – experiências de participação política e resistência na América Latina; 5) Identidade, Alteridade e Reconhecimento – o processo de legitimação jurídico-social da anistia política na América Latina; 6) Poder Judiciário e Sistemas de Reparação na América Latina.
Participarão do seminário os ministros da Justiça, Tarso Genro, e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, além do ex-ministro Nilmário Miranda, que antecedeu Vannuchi. Também estarão no evento, que terá seis mesas de debate, o representante do Tribunal Penal Internacional de Haia, Xavier Aguirre, o presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos do Brasil, Marco Antonio Rodrigues Barbosa, e o ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Hélio Bicudo, entre outros.
Os primeiros dois dias do seminário acontecerão no Teatro Noel Rosa (Uerj) e o último, quando se realizarão as reuniões das comissões de verdade e reparação dos países da América Latina, acontecerá na sede do Arquivo Nacional. O evento será aberto ao público, mediante inscrição gratuita que pode ser feita através do site www.lpp-uerj.net/anisitia na internet.
Para Paulo Abrão Pires Júnior, “o debate sobre o alcance da lei de anistia hoje no Brasil é uma questão de princípio”. O presidente da Comissão de Anistia justifica a pertinência do seminário com uma série de indagações: “A tortura pode ser considerada crime político? Podemos anistiar crimes de tortura? Que conseqüências isso traz para nossa democracia? Como ficam os tratados e convenções internacionais na área de direitos humanos aos quais o país é signatário? Como fica o Brasil diante da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual estamos vinculados e que declara que tortura é crime contra a humanidade, imprescritível e não passível de anistia?”.
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